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Em evento que define diretrizes da educação para próxima década, como “um espaço de diálogo”, direita é hostilizada 

Enquanto uma delegada pedia mais representatividade da família na conferência, houve vaias e gritos de desaprovação

Foto: Reprodução

A ideia de que a Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024, que ocorreu de 28 a 30 de janeiro em Brasília, é um espaço de diálogo foi reforçada diversas vezes durante o evento. Mas a hostilidade direcionada a delegados conservadores mostra que a pluralidade fica apenas na teoria, informou Gazeta do Povo.

A Conae é onde se discutem as diretrizes para o próximo Plano Nacional de Educação (PNE), documento que definirá os rumos da educação brasileira para todo o decênio 2024-2034. Assim como já havia ocorrido nas reuniões regionais e municipais da Conae, delegados cujas ideias fugiam do viés ideológico majoritário dos participantes da conferência ouviram, na etapa nacional, vaias e palavras de ordem que visavam censurá-los.

A conferência é organizada pelo Fórum Nacional de Educação (FNE), reestabelecido pelo Ministério da Educação (MEC), por portaria no primeiro ano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além do documento-base para as discussões apoiar bandeiras esquerdistas – como ideologia de gênero nas escolas e até pautas sindicais como o piso salarial de professores -, o próprio regimento dificultou o diálogo com quem pensava diferente.

“Percebo que a liberdade de expressão e de manifestação de pensamento não estão sendo tão reais como proclama essa Conae”, afirma Cesia Moiano, delegada do Rio Grande do Sul. 

“Toda vez que manifestei minha opinião, seja ela um pouco ou muito diferente ao que a maioria promove, fui vaiada, hostilizada e marcada”, complementa. Ela conta que ainda na etapa estadual foi impedida de concluir a própria exposição e obrigada a descer do palco antes mesmo do tempo de fala terminar.

Uma delegada de Goiás que prefere não se identificar relata uma experiência parecida. “Durante a própria etapa intermunicipal, às vezes não me deixavam terminar de falar, pois já começavam a vaiar ou tirar a minha concentração enquanto eu estava falando”, diz.

Durante a etapa nacional, em Brasília, a tendência se repetiu. Enquanto uma delegada pedia mais representatividade da família na conferência, houve vaias e gritos de desaprovação. O pedido está respaldado na Constituição Federal, que, em seu artigo 205, aponta que a educação é um dever do Estado e da família.

O partidarismo também ficava evidente em manifestações coletivas de apoio ao atual governo federal. Em certo momento durante a abertura da etapa nacional, os participantes gritavam em uníssono: “Olê, olê, olê, olá! Lula, Lula!”.

O deputado Gustavo Gayer (PL-GO), publicou em sua conta no Instagram um vídeo com denúncias de outras evidências do viés ideológico do evento, registrado durante a etapa nacional da Conae. Havia, entre outras coisas, um livreto com título “Por que discutir gênero na escola?” e bottoms em apoio ao Hamas, grupo terrorista da Palestina. Em outro trecho do vídeo, um rapaz que se diz representante do movimento LGBTQIA+ afirma que “a gente está formando militantes mesmo. A gente precisa manter viva a militância em sala de aula”.

“A gente só quis mostrar para as pessoas, o que elas não tiveram oportunidade de ver”, afirmou a assessora de Gayer Amanda Caixeta. Motivada por um colega, ela foi até a Conae registrar o que estava sendo discutido. Caixeta conta que conversou com o pessoal da ONG Ação Educativa. Um dos projetos da ONG é o “Educação e Gênero” que trabalha na formação do professor para conscientizar sobre ideologia de gênero e, a partir deles, alcançar os alunos. “Mesmo vendo, é difícil de acreditar”, reiterou.

No primeiro dia da etapa nacional, a conferência se posicionou de forma quase unânime pela rejeição de mudanças sugeridas ao texto do regimento por delegados que divergiam do viés ideológico majoritário. O documento definido pelo FNE no começo do mês foi mantido sem alterações pelos delegados ali presentes. Foi o próprio FNE que definiu a destinação de vagas dos participantes do evento. “Movimentos afirmativos da diversidade” receberam mais cadeiras (135) que a comunidade científica (52).

Um dos pontos do regimento que se manteve foi que as moções (documento oficial que sugere mudanças) “não poderão contrapor as deliberações da Conae 2024”. Um destaque apresentado por Moiano pediu a retirada do trecho para garantir a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento. A delegada Adriana Marra, que também apresentou destaque semelhante, defendeu que “o trecho condiciona ao que está previsto no documento”. 

“Isso inviabiliza completamente o contraditório, pois o documento já está redigido. Se as moções precisam ser limitadas ao texto, cadê a oportunidade de debate que o próprio regimento menciona?”, questionou.

“O processo foi democrático em todas as instâncias. O que era contraditório foi votado, foi encaminhado para observações. Nós estamos aqui hoje para selar o que está no contraditório”, afirmou Lúcia Rincon, representante da União Brasileira de Mulheres, na fala que defendia a versão original do texto. “Porque nós estamos garantindo o diálogo, o contraditório, as liberdades democráticas de expressão”, complementou.

Depois, Rincon acrescentou: “Se a gente retirasse o texto elaborado, nós acabávamos com a Conae. Como não conseguiram através do Congresso Nacional, agora existem novos subterfúgios”. O comentário de Rincon se refere a uma nota apresentada por 10 frentes parlamentares da Câmara dos Deputados em 23 de janeiro. Os deputados solicitaram ao MEC que o PNE vigente fosse prorrogado e que a Conae fosse realizada no segundo semestre, ao alegar falta de transparência, isonomia e representatividade durante a conferência.

Após a abertura da etapa nacional, o ministro da educação, Camilo Santana, falou com a imprensa. Ao ser questionado sobre a falta de transparência levantada pelos parlamentares, Santana afirmou que o responsável pela organização do evento é o FNE. Ele acrescentou que o MEC está dando todo o apoio necessário ao FNE, especialmente na área de recursos.

O próprio ministro ressaltou que as discussões da Conae serão a base do texto do PNE que será enviado ao Congresso Nacional. “Já há um grupo de trabalho no ministério com várias entidades e especialistas trabalhando na construção do plano. Mas o documento-base que vai servir para o ministério elaborar o projeto de lei será o que for aprovado aqui nesta conferência”, disse à imprensa.

Com o PNE vigente previsto para vencer em junho, Santana declarou que em 30 dias o MEC deve apresentar o projeto de lei com o texto do novo PNE. Santana conta que fez uma reunião com a comissão mista do Congresso para alinhar os prazos. Segundo ele, foi estabelecido que antes do recesso do meio do ano dos parlamentares o PNE já estará aprovado.

Aline Coelho

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