O órgão não incluiu o contraditório do ex-ajudante de ordens

Na denúncia apresentada contra Jair Bolsonaro (PL) por suposta tentativa de golpe de Estado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deixou de fora partes do depoimento do tenente-coronel Mauro Cid que poderiam contradizer a acusação feita ao ex-presidente.
Desde que firmou delação premiada, em setembro de 2023, Cid deu versões divergentes sobre os fatos investigados e chegou a relatar que foi pressionado a mencionar episódios que não ocorreram. Em um dos trechos ignorados pela PGR, ele afirmou não saber se Bolsonaro teve conhecimento do chamado plano Punhal Verde e Amarelo, que incluía ações contra Alexandre de Moraes, Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSB).
“Eu não tenho ciência se o presidente sabia ou não do plano que foi tratado, do Punhal Verde Amarelo, e se o general Mário [Fernandes] levou esse plano para ele ter ciência ou não”, disse Cid à Polícia Federal, em dezembro de 2023.
A denúncia da PGR, no entanto, baseia-se em uma troca de mensagens entre Cid e o general Mário Fernandes, na qual Fernandes teria mencionado que Bolsonaro afirmou que “qualquer ação” poderia ocorrer até 31 de dezembro. O órgão não incluiu o contraditório do ex-ajudante de ordens.
Outro ponto ausente no documento da PGR é a justificativa para o monitoramento de Alexandre de Moraes. Enquanto a acusação sugere que Bolsonaro solicitou essa vigilância como parte do suposto plano de assassinato, Cid declarou que o ex-presidente apenas queria saber sobre encontros do ministro com seu então vice, Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
Além disso, a PGR mencionou uma reunião de militares, em 28 de novembro de 2022, como parte do planejamento do golpe. Entretanto, não incluiu o relato de Cid de que o encontro não passou de um “bate-papo de bar” entre oficiais descontentes com o resultado da eleição.
“Naquele momento ninguém botou um plano de ação, é esse ponto que eu quero deixar claro, ninguém chegou com um plano e botou um plano na mesa e falou assim: ‘Não, nós vamos prender o Lula, nós vamos matar, nós vamos espionar’”, declarou Cid em depoimento à PF em 19 de novembro de 2023.
A PGR também apontou mensagens do ex-ajudante de ordens como indícios de movimentações golpistas mesmo após a posse de Lula, mas não incluiu a parte da delação em que Cid afirma que suas falas foram mal interpretadas e que Bolsonaro não esteve envolvido nos atos de 8 de janeiro de 2023.